11 de nov. de 2010

A doença do atraso " Malária"



Manoel do Rosário tem oito filhos e uma neta. Ele sustentava a família inteira catando açaí nos fundões do Marajó. Mas, há dois anos, resolveu mudar-se para Anajás, cidadezinha de 25 mil habitantes no coração da imensa ilha amazônica, em busca de um emprego mais seguro. Não arranjou serviço nenhum. O que a família de Manoel conseguiu, nos últimos 24 meses, foi contrair 120 malárias. Mesmo para o município campeão brasileiro de malária – quase 10 mil casos nos últimos 6 meses – é um recorde considerável. Na casa de Manoel tem malária toda semana. A netinha dele ainda não completou nem um ano de idade, mas já tirou tanto sangue para fazer exame que tem o pezinho ferido por agulhadas. Quinze deles deram positivo.




Um bebê de 11 meses com 15 malárias é o retrato do nosso fracasso. O Brasil deu as costas para a casa de Manoel, cheia de frestas, suspensa por palafitas, envolta por uma nuvem de mosquitos. Quem liga? Marajó fica nos confins do Pará. Anajás fica nos confins do Marajó. E a casa de Manoel fica nos confins de Anajás. Na geografia das nossas mazelas, a malária fica nos confins das prioridades nacionais.



Em 1940 o país registrou quase 10 milhões de casos. Um em cada quatro brasileiros tinha malária. Um formidável esforço sanitário reduziu esse número para pouco mais de 50 mil casos anuais em 1970. Mas aí veio a colonização da Amazônia engendrada pela ditadura militar. O general presidente Emílio Médici inaugurou a Transamazônica e ofereceu “terra sem homens para homens sem terra”. Um fenomenal fluxo migratório foi o motor de um projeto de desenvolvimento baseado na extinção da floresta. Os mosquitos adoraram. Voltamos a registrar epidemias regionais e o número de casos chegou a bater em 700 mil por ano. Com a criação do Grupo de Controle da Malária, em 1999, o Ministério da Saúde conseguiu vitórias importantes ao longo da última década. Mas estacionamos em 300 mil casos anuais. O que significa esse número? Muito? Pouco? Não sei dizer. Sei que é gente à beça. Como Manoel do Rosário, seus oito filhos e sua netinha. Como Maria Brasil, veterana professora municipal de Anajás, obrigada a suspender as aulas incontáveis vezes por causa da convalescença de seus alunos. Cada vez que Maria Brasil fecha o seu caderno de chamadas e vai para casa sem ter o que fazer, o país que ela tem no nome se afunda na obscuridade de seu próprio fracasso.



Marcelo Canellas

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